Qual o limite da responsabilidade do sócio que se retira da empresa?

Qual o limite da responsabilidade do sócio que se retira da empresa?

Colegas, empresários, contadores estudantes de Direito e demais interessados:

Imagine a seguinte situação: que você seja sócio (cotista) de uma empresa (sociedade LTDA), e pretenda deixar a sociedade.

Pergunta-se:

Qual o limite da responsabilidade do sócio que se retira da empresa?

Em outras palavras, por quanto tempo, após sua retirada, o ex-sócio poderá ainda responder pelas dívidas empresariais?

O STJ acaba de decidir que Ex-sócio de sociedade limitada não responde por obrigações firmadas após sua efetiva saída da empresa (averbação).

Vamos entender melhor essa decisão.

Childeryko, Hadegondes e Delvinéya eram sócios da Sociedade Empresária Chi-Há-De Movelaria  Ltda.

Em janeiro de 2014, Childeryko decidiu sair da sociedade.

 Para isto, realizou procedimento chamado cessão de quotas sociais, descrito no Código Civil (artigo 1.057)

 Numa linguagem mais simples, pode-se a firmar que Childeryko vendeu sua participação na sociedade para Hadegondes e Dalvinéya (guarde essa informação).

Apurados os haveres, Childeryko recebeu o valor correspondente à sua cota-parte cedida, e se retirou definitivamente dos quadros sociais.

Nesse mesmo mês, foi averbada essa modificação na sociedade (de modo que agora Chi-Há-De se transformou em Movelaria Há-De).

A cessão das cotas foi registrada no contrato social da empresa, no qual constou a efetiva saída de Childeryko (guarde esta informação importante).

Juridicamente, diz-se que o “instrumento de cessão foi registrado na Junta Comercial do respectivo Estado com o seu arquivamento”; ou seja, o ato da cessão foi regularmente registrado na Junta Comercial.

Ocorre que, em Junho de 2014 – ou seja, 6 meses após a saída de Childeryko – , a Movelaria Há-De fez um contrato de mútuo (simples empréstimo) com o Banco. A empresa tomou emprestados R$ 200 mil reais.

Sem Childeryko (o “cabeça” da empresa), os sócios não souberam administrar muito bem o dinheiro; torraram tudo, investiram mal, e não conseguiram lucrar suficientemente para cobrir os custos.

A Movelaria acabou não pagando o empréstimo.

Por conta disto o Banco ingressou com uma ação de execução para obrigar a Movelaria pagar esse débito.

A justiça fez uma pesquisa (busca) de patrimônios em nome da Movelaria (para realizar penhora e pagar débito bancário); mas, estranhamente, não encontrou quaisquer bens ou valores em seu nome para pagamento da dívida.

Notou-se que a conta da empresa estava “zerada”.

Também não havia outros bens (moveis ou imóveis), em nome de Há-De LTDA, que pudessem ser utilizados para pagar a dívida com o banco.

Então, o juiz da execução – a pedido do Banco –, autorizou, dentro deste processo, um procedimento denominado desconsideração da personalidade jurídica.

 Nesse caso – diante de fundadas suspeitas de fraude, ou abuso na atuação empresarial (ex: ocultação de valores da conta da empresa) – o juiz autorizou que os bens pessoais dos próprios sócios respondesses pela dívida de 200 mil.

Quando uma empresa contrai obrigações, em regra, apenas esta arcará com o pagamento, garantindo-o por meio de seus bens e valores (nunca seus sócios).

Só que nesse caso a responsabilidade pelo pagamento do débito não fica limitada somente aos bens da empresa Há-De LTDA. O juiz desconsidera a empresa, e responsabiliza os próprios sócios pelo débito (justamente por suspeitar de fraude, ocultação de bens etc).

De toda sorte, nada também foi encontrado no nome de Hadegondes e Delvinéya.

Entretanto, foram encontrados (e penhorados) R$ 20 mil da conta bancária de Childeryko, (que já nem fazia mais parte da empresa).

Diante disso, ele contratou um advogado e se defendeu deste ato no processo, afirmando que não podia ter sua conta “bloqueada” para pagamento desta dívida, pelo fato de não fazer mais parte da empresa.

Em outras palavras (falando juridicamente), seu advogado alegou que Childeryko não poderia ser réu neste processo de execução da dívida bancária; considerando que, quando a obrigação (dívida) foi contraída pela empresa (agosto de 2014), ele já não constava do quadro societário.

Por outro lado, o Banco, astuto, contra-argumentou, afirmando que o juiz agiu corretamente.

Disse  que Childeryko responderia SIM pelas obrigações assumidas pela empresa, até o prazo de 2 anos após a saída da sociedade; pois, segundo a instituição financeira, o art. 1.003, parágrafo único, do Código Civil se aplicaria ao caso dele. Veja o que diz o artigo:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Vamos simplificar a interpretação deste difícil dispositivo legal.

Basicamente o artigo afirma que o sócio que se retirar da sociedade ficará, pelo prazo de dois anos, responsável por dívidas que surgirem no período de sua saída da sociedade.

Então na prática, o Banco usou esta regra, afirmando que o bloqueio do valor foi correto.

 Alegou que, como Childeryko saiu em janeiro de 2014, e o empréstimo foi feito em junho daquele ano, pela lei, embora tivesse saído da sociedade, ele se manteve como corresponsável pelas dívidas da sociedade nesse período (até janeiro de 2016).

Está correto o argumento do Banco?

NÃO.

É que o entendimento reiterado e uniforme, dos juízes e tribunais hoje, diz que o artigo acima precisa ser aplicado em conjunto com outro artigo, que é o 1.032, também do Código Civil:

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

Assim, ao ler os dois dispositivos juntos, o Superior Tribunal de Justiça chegou à seguinte conclusão:

Na hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até 2 anos após a averbação da respectiva modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade.

STJ. 3ª Turma. REsp 1537521/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/02/2019.

Assim, o sócio que se retira (ou é excluído) da Sociedade Empresarial, permanece obrigado por dois anos, após a averbação da sua saída, mas apenas em relação às dividas e  obrigações que surgirem antes da averbação da alteração contratual.

Esclarecendo ainda melhor, o artigo 1.032 do Código Civil de 2002 tem uma redação confusa, mas acreditamos que a interpretação a ser feita é a seguinte:

O sócio que se retira ou é excluído tem responsabilidade pelas obrigações anteriores à sua saída pelo prazo de dois anos (primeira parte do artigo).

E, no caso de demora na averbação da sua saída, será responsabilizado pelas obrigações entre a sua saída efetiva e a averbação da alteração, também pelo prazo de dois anos.

No caso analisado, Childeryko poderia responder pela dívida SE E SOMENTE SE esta houvesse sido contraída antes do “registro na junta comercial” (da sua saída) da sociedade. Nesse caso poder-se-ia presumir que Childeryko estava a par do empréstimo (e assumiu este risco).

Isto é feito com o intuito de se protegerem os terceiros (de boa-fé), que negociam com a sociedade (financiam, emprestam, alienam bens, e confiam nesta) sem ter ciência da saída do sócio.

Esta é realmente a interpretação mais coerente.

Não faz o menor sentido impor responsabilidade ao sócio que saiu da sociedade, em relação a dividas que este não autorizou (e sequer poderia conhecer).

 É que,  com a efetiva alteração (e averbação) do contrato social, a saída torna-se pública, e todos têm como verificar a atual condição da empresa.

Por esta razão se torna absurdo forçar Childeryko a responder pelas dívidas empresariais após a publicidade de sua saída.

Veja o que diz um dos maiores estudiosos do assunto:

(…) No caso de cessão de quota, com a substituição do sócio, cedente e cessionário mantêm-se solidariamente responsáveis pelas obrigações anteriores à averbação contratual pelo prazo de dois anos após tal averbação (art. 1.003). Pelas obrigações posteriores à averbação a responsabilidade é exclusivamente do cessionário.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário. Vol. 1. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 301)

Outro grande doutrinador, Ricardo Negrão, traz um exemplo que elimina todas as dúvidas:

“Exemplificando: o sócio Tício retira-se da sociedade XYZ Ltda. em 5 de julho de 2005 e a averbação dessa alteração social é levada à Junta Comercial somente em 8 de agosto de 2006. Dessa última data conta-se o prazo de dois anos para que os credores ou a sociedade o acionem pelas obrigações contraídas até 8 de agosto de 2006 (Código Civil, arts. 1.003 e 1.057, parágrafo único).” (NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. Vol. 1, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 315-316)

No caso apresentando, portanto, Childeryko se retirou da sociedade em 18/1/2014, data em que foi averbada a cessão de suas quotas (esta é a data da sua saída jurídica).

A obrigação da empresa junto ao Banco (e objeto da execução) foi contraída em 20/07/2014, ou seja, depois que ele já tinha deixado a sociedade.

Concluindo (e repetindo):

  • o ex-sócio de sociedade limitada é corresponsável;
  • apenas pelas dívidas e obrigações contraídas pela empresa;
  • referentes a período anterior à averbação da modificação contratual (que consignou sua saída por meio da cessão de suas quotas);
  • até o prazo de 2 anos (após a referida averbação),
  • nos termos dos arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 e 1.057, parágrafo único, do Código Civil.
  • Não alcançando, portanto, dividas e obrigações contraídas após a modificação contratual.

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