Empresários precisarão redobrar seus cuidados: o STJ reestabelece a possibilidade de prisão por dívida (tributária). Deixar de pagar ICMS agora é crime!

Empresários precisarão redobrar seus cuidados: o STJ reestabelece a possibilidade de prisão por dívida (tributária). Deixar de pagar ICMS agora é crime!

  1. GENERALIDADES ACERCA DO “NOVO CRIME” DE INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA

Grande parte dos juristas, contabilistas tributários e escritórios jurídicos que prestam consultorias empresariais-tributárias estão de cabelo em pé em razão do novo entendimento da 3ª Seção do STJ.

Se antes deixar de pagar tributos declarados era infração administrativa, agora a corte decidiu que é crime o não recolhimento do ICMS devido pelo empresário/comerciante.

Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça agora passa a criminalizar a mera inadimplência de tributos, sem levar em consideração as intenções que causaram não recolhimento.

O dolo de fraudar, a intenção de sonegar, a vontade consciente de burlar a lei tributária não mais importa mais (agora basta o empresário não pagar e já poderá ser considerado “criminoso”).

Buscaremos esclarecer melhor esta situação aos queridos clientes, parceiros, e demais colegas que sofrerão os graves impactos desse novo (e equivocado) modo de pensar a criminalidade tributária.

Logo de inicio, ressaltamos que esta “nova modalidade de crime” (chamamos assim, já que criada/inventada por interpretação do tribunal) não está prevista em lei.

Sendo assim, a conduta do mero inadimplente tributário não poderia ser punida com pena de prisão; já que, do modo como foi inventada pelo STJ, viola o princípio penal básico da taxatividade penal ;e, por corolário, o da legalidade e anterioridade da lei penal (artigo , XXXIX da Constituição Federal, não há crime sem lei anterior que o defina).

A nosso aviso, ademais, é bom recordar que a Corte Suprema brasileira – O STF – já reconheceu, em sede de repercussão geral, que as regras contidas nos crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/91) não se confundem com mero não pagamento de dívida fiscal.

É que a norma que criminaliza a sonegação fiscal só pune atos praticados com intenção específica (dolo) de sonegar tributo; vontade esta que, para ficar caracterizada, deve estar comprovada por meio do conjunto de provas que envolvem o fato da sonegação

Em verdade, esta exigência (prova de dolo) sempre foi uma segurança (e uma garantia) do cidadão contra os abusos do Estado, de modo a evitar que este utilizasse da Lei penal como instrumento (desvirtuado) de política fiscal (na linguagem popular, ou paga ou vai preso).

Ora, uma coisa é certa, e isto vale repetir: para que haja crime, deve haver conduta e intenção comprovada de fraude, omissão, ou prestação de informações falsas à caracterização da conduta criminalizada.

É curioso notar que – antes desta preocupante decisão – a 1ª Seção do STJ sempre decidira que os sócios não poderiam ser responsabilizados em caso de mera inadimplência tributária (Súmula 430).

E o argumento mais importante – que prova a inconstitucionalidade da decisão analisada –, é o da garantia constitucional de impossibilidade de prisão por dívida (artigo 5º, LXVII); reconhecida, inclusive, internacionalmente pelo Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário (Convenção Americana de Direitos Humanos).

O direito penal, pelo princípio da subsidiariedade e da seletividade, deve se ocupar dos bens jurídicos mais caros (vida, liberdade, saúde) e deve intervir quando os demais ramos do direito (administrativo e cível) não “derem conta da situação”. Nunca foi – e nunca será –  finalidade do direito penal a prisão do mero inadimplente tributário.

Uma coisa é desejar sonegar, praticar atos específicos para tal; outra diferente é declarar o tributo, mas, por razões diversas (falência, dificuldades financeiras, erro de cálculo), deixar de recolhe-lo no tempo exigido por lei.

Ora, se ao Fisco é conferido meios e procedimentos especiais administrativos para a cobrança dos débitos fiscais (inscrição em dívida ativa, ajuizamento de execução fiscal, privilégio no concurso de credores etc.), não faz sentido coagir criminalmente o contribuinte com a finalidade de obriga-lo ao pagamento do tributo.

Repetimos: esta não é a finalidade da lei penal.

Tal artifício subverte a ordem jurídica e torna a atuação Penal desproporcional e totalitária (lembremos do abuso Estatal do “ou paga ou vai preso”).

Por outro lado, é comum que – em tempos de crise – os Poderes da República tendam a endurecer a interpretação da lei fiscal, a fim de garantir a arrecadação tributária para manter a máquina estatal funcionando.

Afinal, se o dinheiro se torna escasso nos cofres públicos natural que o Estado se incline a forçar os inadimplentes a recompor o prejuízo.

Mas evidente que a criminalização da inadimplência tributária sem intenção fraudatória não é via razoável para se alcançar este objetivo.

 

  1. O EQUÍVOCO DECORRENTE DA DECISÃO CRIMINALIZADORA DA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA (DEFINIÇÕES E DISTINÇÕES)
  • O NÃO PAGAMENTO DE DÍVIDA DE ICMS DEVIDO PELO PRÓPRIO EMPRESÁRIO: PERSPECTIVAS PRÁTICAS

 Nesta decisão do STJ (por nós comentada e refutada) existe uma enorme “confusão”, decorrente da interpretação feita sobre a definição do crime contra a ordem tributária.

O artigo 2º, II, Lei 8.137/90 afirma ser crime de apropriação indébita tributária:

deixar de recolher, no prazo legal, o valor do tributo, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos

O exemplo clássico desse crime é o da retenção em folha de salário, em que o empregador, ao pagar o salário do seu funcionário (verdadeiro devedor), retém a parte que é devida ao Estado – IR/INSS, devidos pelo funcionário (mas retidos e pagos ao Estado pelo empregador) – mas deixa de entrega-lo ao Fisco.

O valor retido é do funcionário, mas o empregador assume a responsabilidade legal de descontar daquele e recolher (entregar ao fisco) o tributo em nome dele.

Mas se o empregador, conhecendo o procedimento, faz a retenção do dinheiro do funcionário (“passo 01”) sem a entrega deste valor ao Estado (“passo 02”), há, nesse caso, grande indício de dolo de apropriação (intenção de apropriar-se do valor). Isto realmente caracteriza crime contra a ordem tributária.

Dito de outro modo para clarear: a lei manda descontar o valor e entregar ao Fiscal. O empresário desconta, mas não entrega. Guarda pra si o dinheiro do empregado (e que serviria este arcar com seus débitos ficais perante o estado).

Isto em nada tem a ver com a mera inadimplência fiscal.

Entenda e guarde bem esta lógica porque precisaremos disto quando tratarmos da situação do não pagamento do ICMS (logo abaixo).

  • QUE ACONTECE SE EU (EMPRESÁRIO) NÃO PAGAR O ICMS DEVIDO POR MIM?

No jargão juridiquês, o ICMS é um tributo sujeito ao princípio da não cumulatividade.

Dito de outra maneira, o tributo devido pelo próprio comerciante na cadeia produtiva tem seu destaque (isto é, seu valor integral) informado na nota fiscal em cada operação tributada da cadeia (Ex: desde a venda de insumos da madeireira para a marcenaria até a venda de uma mesa pronta pela loja).

Em cada operação de compra e venda aparece na nota fiscal o valor do ICMS devido por cada pessoa na operação negocial.

O destinatário da nota fiscal (Ex: movelaria que compra as chapas de madeira) não é o devedor jurídico do imposto (apenas paga o valor do ICMS marcado da nota fiscal quando adquire).

O verdadeiro contribuinte do imposto é o emissor da nota fiscal (Ex: vendedor da chapa de madeira), que apurará o imposto por meio de seu advogado/contador, de acordo com a sistemática de recolhimento do ICMS.

Essa sistemática é individualizada em cada contribuinte (quem emite a nota fiscal), por meio de seus livros fiscais.

Preste muita atenção agora, pois a questão é complexa, veja:

Cada compra de insumo/produto tributado na cadeia produtiva dá direito a crédito.

Cada saída da mercadoria vendida (e tributada) gera-se um débito (compensável por aquele crédito anterior).

Os créditos e débitos de cada operação consolidados serão declarados em GIA (Guia de Informação e Apuração do ICMS), onde haverá o encontro de contas.

Vale dizer: O empresário de chapas de madeira emite a NF, e vende ao moveleiro, que paga o ICMS, e se credita deste valor.

Por sua vez, quando o moveleiro fizer a porta e vender, irá emitir a sua NF; passando a dever o ICMS PRÒPRIO (pois pratica o fato gerador deste, que é circular mercadoria).

Assim, no nosso exemplo (mais ilustrativo do que real), o empresário da indústria moveleira paga o ICMS relativo à sua venda (débito).

E ao vender o móvel, utiliza parte do crédito (referente à compra da chapa de madeira) no valor do seu produto.

Havendo diferença negativa, haverá ICMS a ser recolhido (imposto declarado).

Havendo diferença positiva, haverá crédito do imposto que poderá ser utilizado no encontro de contas do mês subsequente.

Compreendido? Então vamos prosseguir com calma.

Como se pode observar, o valor do ICMS destacado na nota fiscal não é o mesmo ICMS declarado e devido pelo contribuinte. Este resulta da compensação do crédito e débito de ICMS).

Esse último, denominado ICMS-Próprio, é o que representa o verdadeiro débito devido aos cofres públicos, fruto da compensação, o qual não é descontado nem cobrado do adquirente do produto.

Respondendo à pergunta feita, portanto, quando se deixa de recolher o débito de ICMS declarado em GIA, o contribuinte não se apropria de coisa alheia – como no caso do desconto em folha do empregado, pelo empregador (explicado inicialmente).

Logo, não seria hipótese de crime no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90.

O que haveria é apenas inadimplência (não pagamento de tributo devido pelo contribuinte empresário)

Tanto é verdade que, quando o contribuinte recolhe ICMS-Próprio a mais do que deve (ou até quando recolhe o que não deve), somente ele pode requerer a restituição. Porque o valor é dele.

Mas como veremos abaixo, o STJ passou a entender – a nosso entender, de modo equivocado –  que esta prática também é crime.

  •  E O ICMS-DE-TERCEIRO (ST) QUE “APARECE” NA NOTA FISCAL? QUAL A DIFERENÇA DESTE PARA O OUTRO ICMS (PRÓPRIO)?

Evitaremos aprofundar este tema aqui, mormente em razão do pouco espaço da altiíssima complexidade, além de envolver outras nuances.

De fato existe também a discussão sobre a ausência de recolhimento do chamado “ICMS-DE-TERCEIRO” (cobrado em regime de substituição tributária, ou “ST”, no juridiquês).

Usaremos a linguagem ICMS/ST para se referir a isto ok?

Este tributo é outro, e também vem destacado na nota.

Embora cobrado de alguns comerciantes, na verdade consiste em dívida futura (ou eventualmente passada, isso depende do objeto explorado na cadeia produtiva), e na verdade é debito de outro membro da cadeia comercial.

O estado, para se garantir, antecipa a cobrança futura; “forçando” um não-devedor deste tributo antecipar o pagamento de um fato gerador futuro, praticado por outra pessoa (membro da cadeia produtiva).

Funciona assim (uma de suas faces):

No regime de substituição tributária, a nota fiscal é emitida com o valor do produto (Ex: venda de chapas de madeira) e do destaque do ICMS-Próprio, como descrito acima, acrescido também do destaque do ICMS-DE-TERCEIRO (pode aparecer “ST” na nota).

De um modo bem simplório, vamos continuar com o exemplo (bem grosseiro) da cadeia produtiva moveleira:  apesar deste ICMS cobrado na origem (ex: do madeireiro), e aparecer na nota como ICMS-ST, ele é tributo devido por outro adquirente (chamado de substituído), que normalmente recebe o insumo/matéria prima/produto na operação seguinte (exemplo: moveleiro).

É que, como dito, o Fisco – para tentar garantir que todos da cadeia produtiva paguem seu ICMS – faz com que o “vendedor inicial da cadeia” (Ex: vendedor das madeiras/chapas) antecipe o pagamento de todo o tributo (ICMS) devido pela cadeia produtiva (ex: tributo devido pela loja de móveis é antecipado pela empresa de madeiras).

Isso significa que o primeiro vai antecipar o tributo dele (ICMS próprio de todos os demais da cadeia produtiva do ramo em que atua).

Em nosso exemplo simplório diz-se que ele (madeireiro) substitui os demais da cadeia produtiva (substituto), sendo obrigado a entregar/antecipar ao fiscal valor o valor do tributo devido pelos demais que irão adquirir as madeiras.

Então, veja que, nesse caso, o valor destacado de ICMS/ST é do terceiro (Ex: fabrica de chapas de madeira e movelaria substituída) e, exatamente por isto, o seu não pagamento SUGERE intenção de se apropriar de dinheiro alheio e, por consequência, pode acarretar punição por crime contra a ordem tributária.

  •  AFINAL, ENTÃO, QUANDO HAVERÁ CRIME (EM QUAIS CASOS DE NÃO PAGAMENTO DE ICMS)?

Pelas regras legais, Quando não recolhido, o ICMS-DE-TERCEIRO ou ST é que poderá configurar exatamente o crime contra a ordem tributária (pois, sendo obrigado a adiantar o valor alheio, o retém). Pela lei essa conduta será considerada crime de sonegação tributária.

Mas não é só isto que o STJ decidiu. O Tribunal foi além. Agora pretende punir com pena criminal também o não recolhimento do ICMS-próprio, fazendo interpretação não-jurídica (atécnica) do texto legal atinente aos crimes tributários (aquele que “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo {…} descontado ou cobrado” – inteligência do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90).

Como puderam notar, por serem situações totalmente diferentes, a sistemática de recolhimento do ICMS-Próprio e do ICMS/ST nunca poderiam se confundir, e a criminalização da ausência de recolhimento deste, jamais se equipará a mera inadimplência do recolhimento daquele.

Evidente que no primeiro caso (do ICMS-PRÒPRIO) não há falar-se em crime de apropriação indébita tributária porquanto não há como apropriar-se indevidamente do que já é seu ;além do quÊ sequer há lei autorizando a criminalização.

E tem mais: No caso do ICMS-PRÒPRIO o contribuinte declara o tributo, mas, por inúmeras outras razões (não ilícitas), poderá não efetuar seu recolhimento (não pagar a guia do Fisco).

Há diversos motivos para isto ocorrer: ausência de caixa, crise financeira, priorização do pagamento de funcionários.

Este fato jamais pode ser comparado à conduta do criminoso sonegador, que deixa de prestar informações ao Fisco, que visa burlar o sistema mediante fraude, dolo ou simulação.

 

  1. CONCLUSÃO

Para encerrar e esclarecer quaisquer dúvidas: se o não pagamento do ICMS vier acompanhado de fraude, apropriação de valores de terceiro da cadeia produtiva, sonegação, dissimulação ou omissão dolosa de obrigações acessórias, haverá crime punível nos exatos termos previstos na Lei 8.137/90.

Mas se o empresário reconhece a dívida própria às claras e deixa de pagá-la, há apenas inadimplência, cuja punição constitui terrível restauração da prisão civil por dívida (proibida pela constituição da república).

A prisão por dívida de tributária transforma o Direito Penal em instrumento de política fiscal, prática esta vedada pela própria Constituição brasileira (artigo 5º, LXVII) e por diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário (Convenção Americana sobre Direitos Humanos; artigo 7º, item 7).

Espera-se sinceramente que esta decisão seja melhor repensada num futuro próximo; quer seja pela Corte Especial do STJ, quer seja pelo STF.

Por mais importante que seja a arrecadação tributária para a consecução dos mais aclamados fins, o instrumento legal (garantidor da segurança jurídica) para forçar o contribuinte é a execução fiscal (jamais a execução penal).

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